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O Usurpador

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O Usurpador na Natalândia

Eliane Mariz 





Personagens:

  • Cacautovsky: detetive particular
  • Delegato: delegado (deve ser feito, talvez com dentadura engraçada e míope; por isso, não enxerga quem de fato é; deve usar roupas sujas que ele não percebe, pelo mesmo motivo)
  • Rena Renaldo: testemunha mentirosa
  • Messias: cordeiro de Deus
  • Noel: empresário
  • Lobo em pele de cordeiro: usurpador
  • Peru: peru medroso

Tempo: Presente.
Lugar: Reino encantado da Natalândia


ATO I

Cena 1
(Sala de delegacia, com mesa de escritório)
(Peru entra em cena)

Peru: (fala tremendo e apavorado) Glu… glu… por favor, preciso falar com o Delegato de plantão.

Delegato: (ele se olha no espelho, se sentindo o mais bonito, forte e inteligente de todos; deve falar com uma voz grave e imponente) Eu sou lindo demais! Olha esse porte, esse bíceps, essas sobrancelhas, esse rostinho lindo… eu tinha mesmo que puxar a gata da minha mãe... (se assusta com a chegada do Peru e tenta disfarçar, pigarreia e esconde o espelho)
Como ousa me interromper no meu momento investiGATIVO? Quem é você, meliante?

Peru: (gaguejando de medo) Des… des… desculpa, seu Delegato. É que eu estou apavorado, preciso da sua ajuda.

Delegato: Hum… vou ser obsequioso, já que tenho orgulho de ser um gato muito humilde. Conte o que está acontecendo.

Peru: É que está chegando o Natal, e uma dona de casa me disse que dia 25 é meu último dia de vida. (ele chora alto com sons de glu… glu…)

Delegato: Tá… tá… chega de chororô. Termina logo a história.

Peru: (assoa o nariz num lenço bem alto enquanto soluça dizendo glu… glu…) Então, não sei por que essa perseguição contra nós, perus. Todo ano é igual. A gente fica bem o ano todo, mas no terrível dia 25, parece que todo mundo quer nos engolir.
Um amigo meu, o Cacautovsky, disse que não era pra ser assim. Que o Natal simboliza o nascimento de um cordeiro que vem para dar vida. Mas por que o cordeiro nasce e os perus morrem? (de novo chora alto com glu… glu… e assoa o nariz)
Precisamos descobrir quem é...
(O coro entra cantarolando a música da novela “A Usurpadora”):
“O usurpador… esperando o seu amor” (apontando para a plateia)
Esse usurpador é quem está roubando o verdadeiro sentido do Natal e pondo a minha cabecinha glu… glu… (choraminga) a prêmio.

Delegato: Ah, Cacautovsky, meu amigão! Ele tá bem?

Peru: (esquece do seu drama e começa a fofocar com o Delegato) Rapaz, ele aposentou nessa Páscoa, mas a aposentadoria não deu pra ele sustentar aquela “coalhada” dele.
Pensa, a dona Cacautoviska a cada mês pode ter de 6 a 8 filhotes. Faz as contas de quanto dá isso pra ele, que já tá aposentado.

Delegato: (ri alto) Cacautovsky é um coelho animado! Conheci ele em outros tempos. Foi preso por não pagar pensão alimentícia. Devia mais cenoura que tudo! Ele era terrível com a “coElhada”. (ri como um homem que acha que ser pegador é algo de se orgulhar)

Peru: Ele virou crente, sabia? Tá indo lá numa igreja em Coronel Antonino, a IBCA. Parece outra criatura.

Delegato: (fala com descrença) Sei não, hein… Aquele ali tem um passado que o condena.

Peru: (se lembra da ameaça de morte) E o meu caso? Como o senhor vai resolver?

Delegato: Eu??? Não! Quem vai resolver é o detetive Cacautovsky. Ele não disse que conhece um cordeiro que pode livrar o teu pescoço? (faz um sinal de que está cortando o pescoço)

Peru: (coloca as mãos no pescoço com olhos arregalados) Mas o senhor não vai fazer nada?

Delegato: Vou… vou dar uma chance do Coelho Aposentado ganhar um por fora. Minha boa ação de Natal.

(Ambos ficam paralisados enquanto um coro faz gestos como se fosse um relógio mudando os segundos: tic-tac… tic-tac… tic-tac)

Narrador: (1 hora depois)


Cena 2
(Entra Cacautovsky todo animado, e Peru e o Delegato voltam a se mexer)

Cacautovsky: Oi pra vocês, meus amigos! Recebi o chamado para vir aqui ajudar vocês numa investigação. (abraça Delegato) Eita que esse meu amigo é gato, hein?

Delegato: (finge humildade) Que isso, Cacau… que posso fazer? É minha genética. Pena que nem todos são assim… (olha para Cacau e Peru como se estivesse chamando eles de feios)

Cacautovsky: (olha e vira para a plateia) Não entendi!

Delegato: Enfim… vamos ao caso. Trouxe sua lupa detectora de mentiras?

Cacautovsky: Mas é claro, rapaz! Estava meio empoeirada e tenho que testar aqui, mas acho que funciona. (ele assopra a lupa para tirar o pó na cara do Peru, que espirra dizendo aglu… aglu…)
Vamos fazer um teste. Me diga, Peru, qual é o dia da mentira?

Peru: 25 de dezembro???
(Lupa envia um sinal vermelho com alarme dizendo: Mentira. Pode usar o coro para fazer a sonoplastia.)

Agora, você, Delegato: Você é bonito ou feio?

Delegato: Essa é fácil. Eu sou um gato. (Delegato faz pose pomposa, talvez afinando o bigode fino)
(Lupa fica verde e diz: Verdade)

Cacautovsky: Está funcionando! Vamos chamar um suspeito de ser cúmplice do…
(O coro entra cantarolando a música da novela “A Usurpadora”:
“O usurpador… esperando o seu amor” (apontando para a plateia))
Precisamos interrogá-lo.

Delegato: Ok. Pode entrar a Rena Renaldo.


Cena 3
(Renaldo entra em cena)

Cacautovsky: (examina o suspeito com a lupa) Senhor Renaldo, fiquei sabendo que o senhor aparece todo dia 25 com um idoso e sai por aí distribuindo presentes pra distrair as pessoas, que nem se lembram do cordeiro. Isso é verdade?

Renaldo: (deve ter uma cara de deboche) Delegato, é verdade que faço um trabalho temporário no Natal. Afinal, o salário mínimo não basta pra comprar o leite das crianças.
Meu chefe é um senhor muito bondoso, o Noel, acima de qualquer suspeita. Aliás, não entendi por que fui chamado aqui na delegacia. Sou um cidadão de bem, pago meus impostos. Por que seria suspeito de algo?
(Cacautovsky detecta com a lupa um alarme amarelo.)

Delegato: Uai, Cacau, a luz não deveria ser verde ou vermelha? Que significa o amarelo?

Cacautovsky: Verde significa "siga a verdade", vermelho significa "pare de mentir", e amarelo significa que estão nos enrolando, misturando verdade com mentira.

Delegato: Então qual parte é verdade e qual parte é mentira?

Cacautovsky: Precisamos chamar o Noel para comparar as respostas. Noel, pode entrar.


Cena 4
(Noel entra)

Noel: Hohoho… bom dia, Delegato e seu detetive. O que há de errado?

Cacautovsky: Estamos investigando onde foi parar o cordeiro de Natal e por que estão querendo matar o seu Peru.

Noel: Hoho… e o que tenho eu com isso? Só sou um velho empresário logístico que distribui presentes no Natal para alegrar todo mundo.

Cacautovsky: Bem que dizem que o Natal é só pra movimentar a economia. Quer dizer que o senhor tem uma empresa logística??? Achei que fizesse isso por amor e caridade.

Noel: Também, meus amigos. Mas sabe como é, precisamos ganhar o pão nosso de cada dia.

Cacautovsky: O senhor sabe onde foi parar o cordeiro de Natal?

Noel: Cordeiro… ah, desculpa… você está me confundindo com Noé… meu nome é Noel. Agora, o Noé deve saber onde tá o cordeiro que ele trouxe na arca.

Cacautovsky: Haha (ri forçado) Engraçadinho o senhor. Fale a verdade.

Noel: (engole em seco) Bom... o que posso dizer é que um lobo, meu sócio, disse que o Natal precisava de uma atualização, uma versão 2.0, sabe? Então, ele afirmou que esse negócio de cordeiro já tinha saído de moda.
Disse que seria melhor a gente sair pelo mundo com as renas — das quais Renaldo é o supervisor — distribuindo presentes para as criancinhas. Pois que egoísmo seria comemorar um aniversário para um cordeiro e dar todos os presentes para uma só criatura, não é? Assim, otimizamos o Natal, alcançando mais pessoas com nossas dádivas.

Cacautovsky: Entendi. Vamos chamar esse lobo para depor.

Cena 5 (Lobo entra)

Lobo: (uiva para cumprimentar) Auuuu! (Ele deve ser elegante, vestido com um terno que lembra pele de cordeiro) Bom dia, meus amados. Posso saber o motivo desse convite do senhor Delegato?

Delegato: Estamos cientes de que você propôs substituir o aniversariante e dar presentes aos convidados da festa de Natal. Isso é verdade?

Lobo: Falando assim até parece que sou um lobo mau, Delegato. Que isso! Eu só quis espalhar o amor pelo mundo todo. Estou cheio de boas intenções. Afinal, todos se unem para comemorar o Natal. Quer coisa mais linda?

Peru: (fala com desdém) Linda? Linda é uma ova! As famílias felizes e a minha de luto?

Lobo: Querido, pense que esse sacrifício é por um bem maior...


ATO II

Cena 5

Cacautovsky: Epa… epa… o sacrifício não deveria ser do Peru, mas do Cordeiro que nasceu no Natal. O Cordeiro de Deus, que veio pra salvar todo aquele que se arrepender dos pecados. (Ele é quem guiará os filhos para o Papai do Céu.)

(Cacautovsky enfatiza "Céu", olhando para Noel, que faz cara de bravo, mas disfarça, sorrindo com hipocrisia.)

Noel: Hohoho!

Lobo: Mas que é isso? Pra que olhar pra um Pai que está lá no Céu, quando temos um Papai querido aqui na Terra?

Cacautovsky: Você é mesmo um enganador, lobo em pele de cordeiro. Finge ser como um anjo de luz, mas distrai as pessoas do real sentido do Natal.
(Não passa de um pisca-pisca que se apaga assim que acaba a pilha.) Mas há uma luz que nunca se apagará.
Nossos policiais descobriram o paradeiro do Cordeiro de Natal. Entre, Messias!

(Cordeiro Messias entra em cena.
Lobo se assusta ao vê-lo entrar. Noel também se assusta.
)


ATO III

Peru: (vibra de alegria) Glu… glu… tô salvo… tô salvo!!!

Cordeiro: Olá a todos. Vim aqui para que vocês fossem desmascarados diante de todo o povo. (Aponta para a plateia)
Eu sou o Amor, o Caminho, a Verdade e a Vida.
(Ao dizer "vida", ele toca o ombro do Peru, que fala "Glu… glu", todo derretido com o amor dele.)
Meu amigo Cacautovsky… sim, o passado dele o condenava (olha para o Delegato), mas eu o perdoei, e hoje ele já é uma nova criatura, como disse o Peru.

Cacautovsky (sorrindo): Que isso, Mestre… Toda honra e glória são suas.

Cordeiro: Fez um ótimo trabalho, meu amigo. Não só mostrou o verdadeiro sentido da Páscoa, como também está mostrando a esse povo amado que o Cordeiro, o Messias, é quem dá sentido ao Natal.
(Aproxima-se do Lobo) Que desmascara a mentira disfarçada de verdade!
(Arranca o terno de cordeiro de cima do Lobo e, com autoridade, manda com raiva)
Desapareça daqui! Logo chegará a sua hora de pagar pelo mal que tem feito ao meu povo!

(Lobo se retira uivando de raiva.)

(O coro entra cantarolando a música da novela “A Usurpadora”:
"O usurpador... esperando o seu amor” (apontando para a plateia))


Cena 6

Messias: E o Cordeiro revela quem é o verdadeiro Pai, olhando severamente para Noel. (Noel e Renaldo se retiram de fininho.)


Cena 7

Que salva os que buscam vida. (Acaricia a cabeça do Peru.)
Que transforma os que se arrependem em novas criaturas. (Dá tapinhas nas costas de Cacautovsky.)
E que chama os pecadores ao arrependimento, para que vejam quem de fato são — que não são tão belos, fortes ou inteligentes como imaginam.
(Entrega óculos fundo de garrafa para o Delegato, que se via bonito porque era míope e não enxergava a verdade sobre si.)

Delegato: (ao se ver no espelho com os óculos) Nossa! Esse sou eu??? Quanto defeito! Como eu não vi isso antes? Que vergonha! Messias do Céu, me perdoa… eu não enxergava tanta sujeira antes. (Vendo suas roupas) Veja isso… minhas roupas estão cheias de poeira!

Cordeiro Messias: (pega e coloca as vestes de cordeiro no Gato) Não se preocupe! Agora tudo será diferente. Cacautovsky vai te auxiliar a viver de maneira que me agrade.

Cacautovsky: Claro! Fui enviado aqui para ser mesmo um auxiliador.
Delegato, ainda bem que alguém te mostrou a verdade, hein? Você estava bem acabadinho, hein… com todo respeito.

Cordeiro: E agora… vamos comemorar o Natal do jeito certo???
Eu já morri na Páscoa (como já dizia meu amigo Cacautovsky), me sacrifiquei, mas ressuscitei pra dar vida aos nossos perus!

Peru (graças a Deus Pai): Aleluia! Meu pescocinho foi salvo!!! (Grita alegre) Glu… gluuu!


Autora: Eliane Mariz 

Publicação: 11/05/25

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