Em plena tarde, eis que me deparo com três cadeiras siamesas. Nelas estão o Pai Jeová, à sua direita o Filho Jesus e o Espírito Santo. Vejo outra cadeira onde está assentado um homem de branco, semelhante a um anjo de luz, chamado Belial.
Em outra cadeira vermelha, com detalhes pretos, vejo uma mulher elegante, com um ar de maturidade e arrogância. Trata-se da Religião.
Desvio o foco e, adiante de mim, há um belo palco, todo iluminado, e uma plateia ao redor deste.
No centro dele aparece um apresentador chamado Mundo.
Ele cuida dos candidatos à vaga de "escolhido", "The Voice".
Começam as audições às cegas. Cadeiras viradas para trás.
Entra uma candidata audaciosa que canta com um ar imponente:
"Eis-me aqui como Daniel, com os olhos focados no céu. Com o risco de morrer, mas o que me importa é obedecer."
Belial não sabe se fica mais impressionado com o talento da candidata ou com o que ela afirma na canção. Logo bate o botão, e a cadeira se vira.
A Religião pensa um pouco mais e, logo em seguida, também manifesta interesse. Já são duas cadeiras viradas. O Pai e o Filho se entreolham, pensam bastante e decidem não virar as cadeiras. Fim da apresentação e cadeiras de frente com a jovem.
Belial, exibido, começa indagando a moça; descobre que ela tem seus 15 anos apenas e se chama Hipocrisia. Ela já demonstra ser perita na arrogância.
O Espírito Santo recebe um aceno com a mão, onde o Pai lhe diz para tomar a palavra:
— Você é uma excelente candidata, tem um talento muito interessante. Mas sinto que faltou verdade na sua apresentação.
Jesus complementa, e o Pai afirma com um gesto sua concordância:
— Também senti o mesmo. É uma grande responsabilidade cantar tal letra. Diga-me: você acha mesmo que seria capaz de viver essa canção?
A jovem olha para eles um tanto desgostosa, seu ego foi ferido. Ela diz que gosta da canção, que ama cantar, que sonha em ser famosa. Mas que só escolheu cantar daquela forma porque achou a música bonita. Disse que não gosta muito de receber ordens e acha que o talento que possui deve levá-la a lugares altos.
Com pressa, o apresentador questiona:
— E você, Religião, não vai falar nada?
— Bom, Mundo, eu amei a atitude da moça. Mostra que veio para ser um grande ícone. Tem uma voz incomum e muita inteligência. Eu quero muito você, mocinha, no meu time. Acho que temos muito em comum — comenta ela.
A candidata sorriu de forma altiva. Amava ser elogiada!
Belial se adianta:
— Eu também quero falar. Menina, você me lembra eu nos meus primórdios, anos atrás. Você é a melhor cantora que já vi em toda a minha vida, que voz incomum! Eu quero muito que venha para o meu time. "Vem pro papai, vem!"
Todos sorriem, exceto o trio das cadeiras siamesas, que permanecem sérios.
Mundo fala com entusiasmo:
— Chegou a hora de escolher. Quem você escolhe? Belial ou a Religião?
— Eu quero dizer que estou muito contente de vocês terem me escolhido, mas eu escolho...
Um clima de suspense envolve o momento.
— Eu escolho Belial.
Todos aplaudem, com exceção de alguns que torceram para que ela escolhesse a Religião. Belial sai do banco e a abraça, todo contente.
Vem o segundo candidato. Um jovem que canta uma canção que diz:
"Eu sou de todo mundo, e todo o mundo é meu também."
Belial amou a escolha da música e logo virou sua cadeira. Religião e o Trio também. A canção se encerra e todos ficam cara a cara.
O Pai começa dizendo que virou a cadeira porque enxergou no garoto a possibilidade de lapidá-lo. Que queria guiá-lo, orientá-lo e consertar algumas coisas.
Belial, querendo uma atenção maior, começou dizendo que o jovem era um excelente cantor, mas que discordava um pouco do Trio, pois achava o cantor pronto para os palcos e que o mundo precisava de alguém como o garoto.
O rapaz, ao ter que decidir, pensou e pensou... Ficou na dúvida. Gostava muito de Jeová, de Jesus e do Espírito Santo. Admirava muito o trabalho e a história de sucesso deles. Mas acabou escolhendo a Religião.
— Que bom que você me escolheu! — diz a líder do time.
O Pai e o Filho lamentam dentro de si.
Mais uma exibição aconteceu... Cadeiras viradas para trás. Entra uma jovem humilde, tímida, não tinha muito talento de lidar com o público e nem era bela como a candidata inicial. Sua voz não era feia, mas não tinha o glamour que a competição ostentava. Ela começa a cantar entre derrapadas na afinação:
"Pai, estou aqui. Olha para mim, desesperada por mais de ti. A tua presença é meu sustento. A tua palavra, meu alimento. Preciso ouvir a sua voz dizendo assim:"
Nessa hora, a Trindade não resiste, e os três apertam juntos o botão e começam a cantar, apontando para ela, enquanto a música seguia:
"Vem, filha amada, vem como estás. Vem, filha amada, vem como estás."
Emocionada por ter sido escolhida, a voz dela embarga. Ela se esforça para se concentrar, mas foi impossível conter as lágrimas.
Belial, com inveja, virou a cadeira. A menina, que tinha por volta de 9 anos, não tirou os olhos do Trio. Por mais que Belial sorrisse falsamente, ela não correspondeu às suas expectativas. Religião não virou, pois achou a candidata totalmente inadequada para a competição. Dentro de si, pensava que ela nem deveria ter sido classificada.
Fim da música, todos diante dela, e o Filho diz:
— Quem é você, princesa?
— Eu me chamo Igreja.
— Igreja, minha criança! Quanta doçura e nervosismo, hein!
Ela sorriu, envergonhada.
— Princesa, são pessoas assim que procuramos. Pessoas simples, humildes, que reconhecem suas limitações e o quanto precisam de ajuda. Nós também queremos aqueles que precisam ser lapidados, mas estes nem sempre nos aceitam por perto.
— Você é rara. Sabia?
Ela balança a cabeça, dizendo que não.
Belial atravessa a conversa e tenta seduzir a menina:
— Linda, linda, que talento! Você tem que vir para o meu time, seu lugar é aqui!
Igreja franze a testa e não concorda, embora não manifeste sua opinião verbalmente.
— Qual é o seu sonho, querida? — diz o Pai, tomando de volta a vez.
— Meu sonho é ajudar muitas pessoas, levar algo bom, alegria, através não só da música, mas com todo o meu ser, para amenizar a dor dessas pessoas.
— E quem é a sua inspiração, Igreja? — disse Jesus.
— Eu me espelho muito em você — respondeu ela.
Todos a aplaudiram, e Jesus, sorrindo, apontou para o Pai enquanto sussurrava para ela fazer leitura labial: "A glória é toda dele!"
Belial, porém, faz uma cara de desgosto, mas tenta disfarçar a antipatia.
Igreja prossegue:
— Eu quero seguir os seus passos, porque você me ensinou, através do seu exemplo, tudo o que eu devo fazer. E eu quero fazer você se alegrar comigo. Por isso eu tento imitar o Senhor.
O Pai olha para o Filho e para o Espírito Santo com um carinho enorme nos olhos. O Mundo indaga:
— Chegou a hora da decisão! Quem você escolhe, Igreja?
Ela respondeu, bem decidida:
— Eu não poderia deixar de escolher vocês, meu Trio favorito.
Jesus então falou, ao abraçá-la no palco, enquanto o Pai afagava os cabelos dela e o Espírito Santo olhava com todo amor:
— Saiba que não foi você que escolheu a nós. Mas nós escolhemos você, para que vá e seja The Voice, a voz que leva a Palavra Divina a todas as nações e não só a esta plateia que te rodeia. Isto é só o começo!
— Nós, eu, o Pai e o Espírito Santo, te levaremos por todo o mundo para que você possa realizar o nosso sonho, que já está no seu coração: ofertar amor aos que sofrem.
Imagine agora, querido leitor, todas as cadeiras viradas à sua frente. Será que o Trio celestial te escolheria? Qual destes candidatos você é?
As batalhas da competição são cheias de lutas interiores e exteriores. Mas, no final, a voz escolhida por Deus para alcançar o mundo continua sendo a da Igreja.
Autora:
Eliane Mariz | Gênero: Crônica | Editado: 15/06/16 | Atualizado e corrigido: 11/05/25
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