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1, 2, 3 pontos...



1, 2, 3 pontos...
As mesmas redes que deixei para trás, manuseio eu de novo. Os pés na areia lembram-me que minha casa estava alicerçada nela. Hoje, vejo só suas ruínas, dentro e fora de mim. O mesmo barco que me conduziu a tantas terras agora uso para fugir de mim.
Não ouso mais encarar os olhares que me julgam:
— Você não é um deles?
— Eu? Não! Não sou mais um deles.
Onze companheiros... Dez, na verdade, pois um de nós já não existe. Como eu, ele sentiu o peso da traição, mas não suportou.
Ouço o som do galo e lembro-me de que, por três vezes, virei as costas para o meu melhor amigo. Fugi da cruz, mas ele a carregou por mim.
Noites vêm e vão, e quanta falta me faz ouvir a voz dele! Tenho nas páginas do meu coração cada lição que recebi desde o dia em que ele me viu aqui e me disse para o seguir, pois eu pescaria “homens”, assim como fui fisgado um dia.
Ele saciou minha sede, mas tomou o cálice do qual o Pai não quis poupá-lo. Era um remédio amargo para sarar as minhas feridas.
— Orem comigo! Estou com uma dor intensa! — Ele pediu.
Sua tristeza me fez ir para o esconderijo do sono, para não vê-lo tão deprimido. Mal sabia eu que ele estava se despedindo, pois sua partida já era chegada.
Ah! Se eu soubesse, daria um abraço apertado e choraria ao seu lado. Mas a única coisa que consegui foi despertar e me ver num pesadelo.
Na sede de protegê-lo, feri um homem, e Jesus, sempre amável, deu-me mais uma lição: amar os que não me amam.
Eu estava ali, diante da fogueira, e o neguei até a melodia fúnebre do galo tocar. Eu, que dizia ser capaz de morrer por ele, vi ele morrer por mim. Que dor!
Ouvi mulheres dizendo que ele ressuscitou. Que loucura! Minha descrença não me deixou reconhecer que ele nunca mentiu para nós. Corri até o sepulcro; precisava vê-lo mais uma vez e pedir perdão, mas não o encontrei. Devia ser apenas mais uma ilusão!
Alguém me disse que o viu e que ele chamou meu nome. Ele ainda se lembrava de mim, depois do que fiz?
Vou para o mar, mar que me serviu de calçada durante a tempestade. Espere um pouco... Parece que vejo ao longe um homem na praia. Ele se parece tanto com o meu Senhor. Ele mandou que eu lançasse a rede novamente. É como se a história recomeçasse. Os peixes outrora escassos agora transbordam.
Sim, é ele! Só pode ser ele! Mergulho e vou ao seu encontro, ao meu reencontro com a verdade. Diante de mim, ele pergunta:
— Pedro, você me ama?
O que posso dizer? Eu o neguei!
— Sim, Senhor, eu gosto muito de ti!
Ele diz:
— Então, cuide de minhas ovelhas.
Não posso crer! Eu cuidar dos filhos? Logo eu, que abandonei o Pai?
— Pedro, você me ama mesmo? — indaga ele novamente.
— Sim, Senhor, eu gosto mesmo de ti!
— Trabalhe para mim novamente.
Eu não estava louco. Ele me quer de outra vez.
— Pedro, pela última vez, diga se você gosta mesmo de mim.
— Que tristeza dizer isso, Senhor, mas eu sei que não o amo como deveria; realmente, eu gosto muito de ti, meu irmão.
— Eu deixei que fosse testado, roguei para que sua fé não desfalecesse e peço que cuide do que é meu — confirmou novamente ele.
Anos passaram, eu pesquei muitas pessoas e sigo o mesmo caminho do qual desviei um dia. Vejo a cruz diante de mim, provarei, com prazer, do mesmo cálice que meu Senhor provou. Ele acreditou em mim e me deu um recomeço. Vou morrer por amor àquele que morreu por me amar.
Que fique a lição de que Cristo é quem coloca o ponto final. Aliás, espere um pouco! Elevo os olhos e vejo: 1, 2, 3 pontos seguidos. Lembram-me das três vezes que o neguei. Três vezes que achei que era o meu fim. No entanto, hoje esses três pontos são as reticências que ele pôs para que minha história não terminasse ali.

Autora: Eliane Mariz | Gênero: Crônica | Editado: 19/06/16 | Atualizado e corrigido no C.G.: 03/01/25 

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